O IMPORTANTE É COMPETIR, SERÁ?
O Barão de Coubertin, fundador das Olimpíadas dos tempos modernos, forjou a frase “o importante é competir”, depois de ouvir uma frase semelhante proferida por um Bispo em uma missa. A verdade é que essa frase nunca foi levada a sério pela grande maioria das pessoas, infelizmente. E devia.
O certo é que o importante não é competir, é ganhar a qualquer custo. Mas este texto não tem como escopo discutir a filosofia por trás da frase. Fica para outra oportunidade. Quero apenas provar, de maneira chã, que a forma como os organizadores das Olimpíadas, os jornalistas, os comentaristas esportivos e até mesmo os dirigentes políticos se referem aos jogos e ademais, aí que vem o busílis, a maneira como sistematizam o ranking, provam, comprovam e ratificam que o importante é ganhar. Ou melhor, só importa ganhar.
Volto a dizer que discordo disso com firmeza e tristeza e afirmo que a humanidade só tem a perder com essa filosofia elitista, que reina soberba. São muitas as consequências nefastas, porém vou citar, como exemplo, apenas a dopagem (o dopping), que é a consequência mais conhecida do “importante é vencer”.
Para começar, existe uma valorização excessiva, exacerbada do ouro. Não apenas não dou tanta importância ao ouro, ou melhor, dou a mesmíssima importância à prata e ao bronze quanto ao ouro, como digo mais. Deveriam existir pelo menos mais duas medalhas, quem sabe de chumbo e lata, ou coisa que o valha, já que pouco colabora minha ignorância em metalurgia. Dar maior destaque a três atletas, que sobem no pódio, é bom, entretanto dar maior destaque a cinco, com um pódio maior, é muito melhor. E não só é melhor, como de fato todos eles merecem.
Insisto que não existem diferenças entre os atletas que ganham o ouro, a prata e o bronze. Estão todos no mesmo patamar. Em termos esportivos, são todos a mesma coisa. Não é preciso muito esforço para provar a validade do meu ponto de vista. Qual a diferença de tempo entre os corredores dos 100 metros rasos? Qual a diferença de tempo dos atletas das provas de natação? Qual a diferença de pontos entre atiradores? Qual a diferença de distância ou altura entre saltadores? e por aí vai.
Mais importante do que isso, por maior que pudesse, em tese, ser a diferença entre os atletas do ouro, prata e bronze, e não é, mais importante é que todos se esforçaram muito, todos trabalharam muito. Isso é bom.
Desde logo, para que não surjam equívocos, não estou defendendo que acabem com as diferenciações de medalhas. Não, longe disso. O ouro deve ser sempre o escopo de todo atleta. Como em tudo na vida, se não existir uma meta distante, difícil, o homem, o ser humano, tende a se acomodar. Isso não é bom. A emulação existente na busca do ouro leva à melhora constante. Isso é bom, desde que não se torne a busca da vitória a qualquer custo, sem Ética, sem preocupação com a saúde e com a integridade física e moral do atleta.
Acima falei do ranking. É disso que quero tratar. A forma de sistematizar o ranking, feito pelo próprio COI, é estúpido e se baseia nessa sobrevalorização do ouro olímpico, causando verdadeiros aleijões. Antes de demonstrar, gostaria de perguntar se é melhor um país que tem um único esporte e é o melhor nele ou outro país que tem muitos esportes e é bom em todos eles, porém não é melhor em nenhum? A resposta, para mim, é óbvia. A própria existência de raças diferentes, biotipos diferentes, idades diferentes e tudo mais que corresponde à humanidade, já prova que ter muitos esportes é sempre muito melhor do que ter um só.
Nem todo mundo pode ser um Pelé, ou Neymar, mas sempre vai existir um esporte que atende a uma compleição física particular, uma altura particular, um interesse particular. Isso é bom e para mim essa é a essência do esporte. O esporte deve promover a melhora do ser humano, em todos os aspectos, principalmente no físico, porém com alegria, satisfação pessoal, realização. Como dizia minha mãe, se todos gostassem do azul, que seria do vermelho?
Mas vamos ao ranking olímpico. De acordo com o COI, a classificação dos países nas Olimpíadas se dá, primeiramente, pela contagem das medalhas de ouro, em seguida vem a contagem das de prata e por último das de bronze. Isso quer dizer que o ouro tem valor absoluto e a prata semi-absoluto, pode-se dizer. Dessa forma, se um país tem uma única medalha, de ouro, ele está na frente de todos os demais que tenham 20, 30, 40, 100 medalhas, mas não de ouro. Observe-se a deformação, o aleijão, que a valorização exacerbada do ouro causa. Essa formatação é de uma estupidez megatérica.
Dentro da visão de que o importante é competir, o ranking tem que se dar pela quantidade de medalhas e não pela sua cor. É evidente que os países que estão competindo mais, têm mais medalhas. Dessa forma, a cor da medalha, o seu metal, deverá servir apenas para desempatar e nunca para definir posições no ranking. Assim, se um país obtém uma medalha de ouro e outro país obtém duas medalhas de bronze, o segundo está na frente do primeiro. Se o país A tem uma de ouro, o país B tem duas medalhas de prata e o país C tem três medalhas de bronze, então o ranking é C em primeiro, B em segundo e A em último.
Definida essa forma correta e esportiva de decidir o ranking olímpico, fica uma dificuldade matemática. Como decidir os desempates, já que são muitos países e muitas medalhas, o que pode levar a incontáveis combinações. A única saída é, então, estabelecer pesos distintos para as medalhas e calcular um valor ponderado acumulado. O que se propõe é que a medalha de ouro tem peso 1,002 (um vírgula dois milésimos), a medalha de prata tem peso 1,001 (um vírgula um milésimo) e a medalha de bronze tem peso 1,0 (um inteiro).
Esses pesos não foram obtidos aleatoriamente, mas sim buscando a racionalidade apontada mais acima. Vejam que a fórmula busca uma situação, dentro do limite de medalhas possíveis, na qual o país que tiver maior número de medalhas, independentemente do metal, fica em primeiro, o que tiver o segundo maior número em segundo e assim sucessivamente. Só que os pesos diferenciados, possibilitarão os desempates, com maior número de pontos para quem tem mais medalhas de ouro e, sucessivamente, mais medalhas de prata. Essa é a formatação do ranking mais justa e que de fato representa o espírito do “o importante é competir”.
Vejamos a tabela oficial das Olimpíadas de Londres/2012, até a posição do Brasil (oficialmente 22º lugar):

Agora observemos a mesma tabela, desta vez adaptada para o novo sistema de ranking por mim proposto no presente artigo:
Posição |
País |
Ouro |
Prata |
Bronze |
Peso Ouro |
Peso Prata |
Peso Bronze |
Qde Medalhas |
Pontuação |
1º |
ESTADOS UNIDOS |
46 |
29 |
29 |
46,092 |
29,029 |
29 |
104 |
104,121 |
2º |
CHINA |
38 |
27 |
22 |
38,076 |
27,027 |
22 |
87 |
87,103 |
3º |
RÚSSIA |
24 |
25 |
33 |
24,048 |
25,025 |
33 |
82 |
82,073 |
4º |
GRÃ-BRETANHA |
29 |
17 |
19 |
29,058 |
17,017 |
19 |
65 |
65,075 |
5º |
ALEMANHA |
11 |
19 |
14 |
11,022 |
19,019 |
14 |
44 |
44,041 |
6º |
JAPÃO |
7 |
14 |
17 |
7,014 |
14,014 |
17 |
38 |
38,028 |
7º |
AUSTRÁLIA |
7 |
16 |
12 |
7,014 |
16,016 |
12 |
35 |
35,03 |
8º |
FRANÇA |
11 |
11 |
12 |
11,022 |
11,011 |
12 |
34 |
34,033 |
9º |
COREIA DO SUL |
13 |
8 |
7 |
13,026 |
8,008 |
7 |
28 |
28,034 |
10º |
ITÁLIA |
8 |
9 |
11 |
8,016 |
9,009 |
11 |
28 |
28,025 |
11º |
HOLANDA |
6 |
6 |
8 |
6,012 |
6,006 |
8 |
20 |
20,018 |
12º |
UCRÂNIA |
6 |
5 |
9 |
6,012 |
5,005 |
9 |
20 |
20,017 |
13º |
HUNGRIA |
8 |
4 |
5 |
8,016 |
4,004 |
5 |
17 |
17,02 |
14º |
ESPANHA |
3 |
10 |
4 |
3,006 |
10,01 |
4 |
17 |
17,016 |
15º |
BRASIL |
3 |
5 |
9 |
3,006 |
5,005 |
9 |
17 |
17,011 |
16º |
NOVA ZELÂNDIA |
6 |
3 |
5 |
6,012 |
3,003 |
5 |
14 |
14,015 |
17º |
CUBA |
5 |
3 |
6 |
5,01 |
3,003 |
6 |
14 |
14,013 |
18º |
CAZAQUISTÃO |
7 |
1 |
5 |
7,014 |
1,001 |
5 |
13 |
13,015 |
19º |
IRÃ |
4 |
5 |
3 |
4,008 |
5,005 |
3 |
12 |
12,013 |
20º |
JAMAICA |
4 |
4 |
4 |
4,008 |
4,004 |
4 |
12 |
12,012 |
21º |
REPÚBLIC TCHECA |
4 |
3 |
3 |
4,008 |
3,003 |
3 |
10 |
10,011 |
22º |
COREIA NORTE |
4 |
0 |
2 |
4,008 |
0 |
2 |
6 |
6,008 |
Observem como os países mudam de posição. O Brasil, por exemplo, sobe sete posições, do 22º lugar para o 15º. A Coreia do Sul cai do 5º para o 9º lugar. A Rússia passa a Grã-Bretanha e o Japão sobe do 11º para o 6º lugar. Portanto, se em tese algum país tivesse ganhado 105 bronzes e nenhum ouro e nenhuma prata, estaria em primeiro lugar, na frente dos EUA. Isso é o correto, pois esse seria o país mais esportista do mundo, sem sombra de dúvida.
Com esse ranking correto nós fazemos o justo reconhecimento de que o importante é competir, sempre tentando ganhar o ouro.
Divinópolis, 08/08/2016
BENÍCIO CABRAL